Pega no livro

Clubes de leitura da Galiza com algum livro em português

GENTE MELANCOLICAMENTE LOUCA de Teresa Veiga

O clube de leitura «Santengracia» teve a sua reunião no dia 4 de março e o livro que leram na temporada de inverno foi «Gente melancólicamente louca» de teresa Veiga. Dous membros do clube escreveram sendos comentários que são os que vão a continuação: 

 

Como todo o que lim sobre esta autora são críticas elogiosas, dá-me um pouco de vergonha dizer que este livro não me apanhou, nem me deu vontade de ler mais obras da Teresa Veiga, mas assim foi.

Gostei do detalhe, da forma cuidadosa de caracterizar as personagens, os lugares, da forma de escrever, cunha grande técnica, mas a trama dos contos não me interessou. Ou sim, é dizer, ao principio parecem muito intrigantes , como me sucedeu nos dois últimos, Negra sombra…e Cuidado com as algas verdes, mas ao final quedei com sensação de “contos interruptus”, cum final demasiado aberto a múltiplas interpretações do leitor…ou eu, pelo menos fiquei que não tinha percebido nada…ou o que talvez penso que sucedeu não é…( p.ex. Que passou com o menino Borja, que passou co professor da Clarisse…? e com “a força desconhecida que aperta até produzir a asfixia” da protagonista das algas verdes…ou foi o presidente da Câmara Municipal…?

Também não percebi a importância  do filho da Dinora  a dizer que quer ser objector quando é criança, mas sim é bem traído este recordo, como madalena proustiana , na festa do 80 aniversário do seu homem…, gostei da descrição dos ódios soterrados da filha e da mãe, e das expectativas frustradas entre todos os membros da família…

O mesmo sucedeu com a mulher entregada ao enfermo de “Historia triste..” ou “ A morte do cisne” .  Lembram-me  um filme com muito boa fotografia… e mais nada. Sorri com Santo Suspiro, sentindo ao tempo pena por ela e gostei de como aproveitava o tempo perdido a Isabela 🙂 e mesmo da surpresa do trágico final. Também da menina Susana que se esforça em fazer um minucioso trabalho policial sobre a Natacha e tropeça com a realidade poética dos “beijos do sol” do Ecos do Mondego.  Desfrutei com o Sherlock…  Com tudo, oxalá discrepem da minha opinião e  gostem dele .

 

Sara Paz

 

Teresa Veiga: a beleza do artifício literário

 

Gente melancolicamente louca, um título expressivo que sugere já de entrada uma caneta especial. O último livro de TV é uma colecção de contos que deixam no leitor o estranha experiência de descrever com a prosa mais sumptuosa um desfile de situações e figuras irreais, literárias, inverosímeis no fundo.

Os relatos aludem a estranhas criaturas literárias flutuando num cenário inactual e artificioso que vira costas á vida e remete para a literatura. A mestria de Teresa Veiga abrocha em textos capazes de evocar com precisão cenários afastados de qualquer experiência actual.

Literatura sobre literatura.“O dia em que Sherlock Holmes…” é uma homenagem explícita a Conan Doyle, da mesma maneira que a “Negra sombra que me assombras”, de título tão rosaliano, ou “Cuidado com as algas verdes” remetem para o folhetim oitocentista. Contos propositadamente desactualizados, homenagens a leituras pretéritas, ressuscitadas por cumplicidade literária.

Teresa Veiga parece desdenhar a experiência do quotidiano mesmo quando o relato pretende expor uma história do presente. Há una alusão já no primeiro conto, “Objector de consciência”, em que Dinora, a mãe, termina por disolver a palavra corcunda, que tanto a perturba, em mera “conotação literária e quase abstracta como a história de O Corcudinha da Condessa de Segur”. Conotaçao literária, relato oitocentista, Condessa de Segur; por uma vez Teresa Veiga desvenda brevemente o seu universo literário.

No “Objector de consciência”, o pretenso realismo do relato é banido de imediato pelo procedimento de baptizar com os nomes mais esquisitos a família do arquitecto: Dinora, Ruben, Cibele, o próprio doutor Bryan. A atmosfera da alta comédia que impregna o conto enquadra-se no cenário inverosímil de Castromonte do Alentejo. Castromonte? Porquê não Roma ou Paris ou Londres? Toda verosimilhança fica esbatida apesar do lume na serra, único nexo com o Alentejo real. Afinal, um magnífico conto moral de escrita subtil e envolvente.

A infância de Veiga parece ter percorrido antes os caminhos da leitura adolescentes do que os da vida quotidiana. Esta constatação leva ao leitor a perguntar-se se não reside aqui, nesta opção pela ficção recreada, a chave do fugidio comportamento da autora; da sua ocultação dos média e os circuitos literários, do seu desdém pola actualidade. Será que a Teresa pretende transmutar-se numa das suas personagens de ficção, desencarnada da vida e enraizada nas letras?

Algo de Teresa Veiga nos lembra os contos de Júlio Cortázar onde a experiência da vida prefere envolver-se em tinta literária soberana.

Quem é afinal Teresa Veiga? De que falam as suas obras anteriores? Uma delas, sabemos, é sobre o Marquês de Bradomím. Frequentou talvez Teresa Veiga os versos de Rosalia e as Sonatas de Valle Inclán? Quem é Teresa Veiga?

 

Joam Lôpez Facal

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