Pega no livro

Clubes de leitura da Galiza com algum livro em português


O regresso do Hooligan à Roménia

Imagem

Norman Manea partiu da Roménia para a Alemanha em 1986, e posteriormente para os Estados Unidos. Em 1991, é azedamente criticado no seu país natal depois de escrever um texto sobre o também escritor e investigador romeno Mircea Eliade, assinalando a sua ligação com a Guarda de Ferro fascista na década de 1930.

O título O regresso do Hooligan remete para um ensaio – Cum am devenit hooligan – do escritor romeno Mihai Sebastian, em reação contra o antissemitismo dos anos 30. A ideia de tornar-se um hooligan convida para uma atitude de dissidência e autonomia espiritual, em confronto com o apoio incondicional a verdades coletivas. A palavra hooligan já fora usada pelo próprio Mircea Eliade, mas neste caso convidando à selvajaria e culto da morte de que dariam mostra os legionários fascistas de Corneliu Codreanu.

O Regressso do Hooligan (tradução de Carolina Martins Ferreira na ASA) deixa que se dissipem as fronteiras entre a autobiografia e romance, o autor e o narrador. O ponto de partida é um convite ao escritor para realizar uma viagem ao seu país Natal em 1997, acompanhando Leon Botstein, um maestro de orquestra da sua Universidade. Encorajado pelo também escritor Saul Bellow, Norman aceita finalmente o pedido. Da mão do romance somos então levados do passado do protagonista e da sua família para o reencontro com o país natal em finais do século XX.

O autor é originário da Bucovina, nas antigas fronteiras entre o império austro-húngaro e o Reino da Roménia. Além de romenos, havia naquela zona minorias polacas, ucranianas, alemãs, judia, e até arménia. A família, da comunidade hebraica, tanto falava alemão quanto romeno. Serão deportados à Transnístria em 1941, de onde só retornam em 1945.

Essa experiência, bem como o internamento do pai no campo de trabalho de Periprava na etapa comunista, irão marcar a vida do autor, que posteriormente optará por deixar o país.  É recorrente no livro o dilema sobre a partida do país natal e a opção pelo exílio, que também aparece de forma assídua na obra de outros autores romenos como Herta Müller, Gabriela Ademesteanu, ou o próprio Émil Cioran.

O encontro do pai e a mãe, no autocarro que vai de Falticeni a Suceava, é o princípio antes do princípio de que parte a narração. Somos então levados à vida de uma família da comunidade hebraica naquele cantinho do mundo, ao ambiente político e inteletual da época, e à catástrofe das deportações na Segunda Grande Guerra.

Quanto à Roménia da etapa comunista, Norman Manea mostra-nos os encadeamentos de circunstâncias, ambições e pressões diversas que levavam as pessoas a aderir ao partido, o ambiente claustrofóbico e a obsessão pela fuga, o trabalho de engenheiro e a vocação pela escrita. Um tom de ironia irritada, à beira do sarcasmo, traz-nos sempre de mãos dadas pelas páginas do livro.

Não te deixes subornar pela simpatia: era a intimação de Gombrowicz. Sê incessantemente estrangeiro!….No seu exílio argentino, ele punha sempre a língua de fora à frente do espelho do qual era inseparável (página 32)

Por último, a Roménia do século XX que Norman percorre em companhia do maestro Leon Botstein: o autor reencontra-se com velhos amigos e conhecidos, comove-se ao entrar numa livraria cheia de livros na sua língua materna, ceia com a comunidade hebraica de Bucareste e acaba por visitar o cemitério de Suceava onde descansa a mãe.

A língua, afinal, é a único lar que o escritor exilado não se pode permitir perder. Aquilo de A minha pátria é a língua portuguesa transparece por outras palavras em muitos escritores marcados pelo exílio.

Eis que eu encontrara, pois, no fim de contas, o verdadeiro domicílio. A língua prometia não apenas o renascimento, mas também a legitimação, a cidadania real e a pertença real. Ser exilado também deste último refúgio significava, para mim, a mais brutal descentração, a combustão que atingiria a própria essência do ser. (página 216)

Parece como se fosse ela, a língua, quem acaba por traçar a fronteira entre a Roménia aninhada nas melhores lembranças do autor e a caricatura do país plasmada no nome de “Jorménia”.

* Encontrei este livro num outlet, em Portugal, a preço da chuva. Se alguém tem interesse em que lho empreste, é só contactar o Joseph.