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MULHERES DE CINZA de Mia Couto

 (romance lido pelos membros do clube Santengracia durante a primavera de 1018)

Pertence a uma trilogía sobre os últimos días do chamado Estado de Gaza, império africano de antes da colonização. Os portugueses tinham chegado a Moçambique nos finais do século XV, não com o intuito de tomar posse de aquelas terras, mas como escala no seu camino para a Índia. Lá tinham um enclave para reabastecer as naves e preparar os tripulantes para o último chanzo do percurso à terra das espécias.

No século XIX começa a conquista e colonização de Àfrica por parte das potencias europeias que queriam entrar no reparto em que únicamente Inglaterra e Portugal tinham alguma porção. Na corrida que com tal motivo se iniciou, os portugueses viram-se na necessidade de justificar o seu dominio sobre a mais grande extensão possível à volta de Lourenço Marques e alguma outra vila ou porto onde uncamente até então estavam instalados. No resto do que hoje é Mozambique muitos dos nativos não tinham visto nunca um branco nem ouvido uma palabra de portugués.

Estes habitantes naturais de Moçambique não eran, como às veces se crê, individuos ancorados no neolítico, agrupados em pequeñas aldeias desconetadas umas das outras. Também eles têm a sua história; acontece, porém, que não accederam à escrita e portanto, só conhecemos a parte dela que flui em simultâneo com a presença dos europeus.

E aqui entra o relato de Mia Couto. No quadro das guerras coloniais em que Portugal luta contra o Estado de Gaza, importante império de Africa dirigido por um africano: Gungunhane.

Algumas das personagens mais importantes do romance são:

IMANI

Protagonista do romance. Rapariga de 15 anos, preta, da tribo dos VaChopi (Chopes, para os portugueses) do litoral de Moçambique, oposta à invasão dos VaNguni e em consequência, aliados dos portugueses. A sua aldeia é Nkokolani e vive no temor da chegada dos exércitos do Chefe dos VaNguni (Chamados pelos portugueses «Vátuas»)

SARGENTO GERMANO DE MELO

Co-protagonista. Foi condenado a degredo em Moçambique pela sua participação na revolta republicana de 31 de Janeiro no Porto de 1891 (https://pt.wikipedia.org/wiki/Revolta_de_31_de_janeiro_de_1891)

Destinado em Nkokolani, instala-se na cantina do Sardinha –que também era quartel- e coloca ao seu servizo aos irmãos Inani e Mwanatu. Escreve um monte de cartas ao conselheiro José d’Almeida.

 

FRANCELINO SARDINHA

Cantineiro portugués em Nkokolani

KATINI NSAMBE

Pai de Imani

DUBULA

Irmão de Imani. Contrário aos portugueses e favorável aos Vátuas.

CHIKAZI MAKWAKWA

Mãe de Imani

MWANATU

Irmão de Imani. De poucas luzes põe-se ao servizo do sargento Germano.

BIANCA VANZINI MARINI

Proprietária da estalagem em que pernoctou Germano quando começou a sua vida de militar degredado. Italiana de orígem, viera a Moçambique como sucedáneo da morte que não tinha sido capaz de infringir-se.

CONSELHEIRO JOSÉ D’ALMEIDA

Não achei nenhuma citação dele na rede. Quiça seja fictício mas suspeito que existiu. A sua única função no relato é o de correspondente do sargento Germano.

ANTÓNIO ENES

Personagem histórico, no tempo em que transcorrem os feitos do relato era Comisário Régio em Moçambique. Mais informação em

https://pt.wikipedia.org/wiki/Ant%C3%B3nio_Enes

MOUZINHO DE ALBUQUERQUE

Histórico. Importantíssima figura militar a quem correspondeu a conquista do sur de Moçambique derrotando e fazendo prisioneiro ao Chefe Gungunhane. A sua biografia pode consultar-se em:

https://pt.wikipedia.org/wiki/Joaquim_Augusto_Mouzinho_de_Albuquerque

 

AYRES DE ORNELAS

Histórico. Correspondente da última carta do sargento Germano. Foi outro militar importante. Acérrimo partidario da monarquia, esteve envolvido na tentativa de restauração monárquica de 1919, o episódio da Monarquia do Norte, liderada pelo seu correligionário Henrique Mitchell de Paiva Couceiro. Quando foi proclamada a República em 1912, foi nomeado Lugar-Tenente do Rei D. Manuel II de Portugal, então exilado em Londres, aonde o acompanhou. Mais informação em:

https://pt.wikipedia.org/wiki/Aires_de_Ornelas

Comentário:

Romance em que há elementos mágicos, oníricos e também algum realismo descritivo. Confluem duas mentalidades antagónicas: a dos nativos e a dos colonizadores. Aqueles com a sua cosmogonía baseada em sombras, defuntos, fenómenos naturais, árbores, aves, ventos, chuva, nubens..; estes com a sua, baseada no cristianismo e na disciplina militar, no honor e o servizo à Patria e à Coroa. O irreal mundo misturado de sonhos e realidades em que acreditam os indígenas, pode lembrar o Macondo de Garcia Márquez (O qual não quer dizer que tenham nada a ver um e outro escritor).

Para nós, galegos, há um trecho que não posso não citar:

E partilhei então uma lembranza que trazia de Lisboa. Aconteceu uma única vez em que assisti, levado pelo meu pai, a uma tourada. A um certo momento, como o touro se encontrasse cansado e bonacheirão, lançaram para a arena uma meia dúzia de pretos, enfeitados com penas e montados nuns ridículos cavalos feitos de papelão. Este enfeite roubava-lhes mobilidade mas reforzava o tom de caricatura que empolgava a multidão. O touro arremeteu contra os pobres diabos e todos eles foram terrivelmente maltratados […]

-Não era racismo. Ou talvez o fosse. A verdade é que também atiravam galegos para dentro das arenas.

-Os galegos são negros?

-Não. São como nós. (Página 364)

Carlos Campoi Vasques

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