Pega no livro

Clubes de leitura da Galiza com algum livro em português


Contos da montanha (Miguel Torga)

Miguel Torga (São Martinho de Anta, Trás-os-Montes 1907 — Coimbra 1995) publica esta coletânea de contos em 1941.

“Ao nos adentrarmos pela paisagem humana das aldeias transmontanas, encontramos em cada esquina os rostos descritos no universo de Torga. Quantas lendas e costumes não nos conta essa gente que a narrativa de Torga registrou. São personagens inseridas no ambiente rústico e pobre das aldeias. São personagens natos nas dificuldades do frio cortante das montanhas e passam pela vida com a visão irônica de todo o meio do qual emanam as tradições, as crenças, o trabalho, a religião.” virtualiaomanifesto.blogspot.com

Impressões pessoais após a leitura

Comentário geral:

Há, de contínuo, uma tensão narrativa arrebatadora que desfecha, conto por conto, numa grande comoção. Cunha prosa intensa, poética e alegórica, através das personagens que constroi, vai describindo as paixões humanas mais ancestrais, fondas e institivas, e por isso mais auténticas e intemporais que são, com certeza, as nossas proprias paixões: o medo de cá e do além-mundo, o refugio na fê, a resignação, a complacença, a admiração, o amor, os ciumes, os remorsos, o odio, a vinganza… a vontade de suicídio.

Os contos são, de facto, independentes mas complementares: no conjunto fazem um mostruário dos modos de vida e das paisagens rústicas –geográficas, econômicas, culturais… dum passado que podemos pensar longínquo e que, aliás, podem ainda perdurar -e acho que perduram- embora seja remanescente daqueloutros tempos, não assim tão distantes.

Um contributo lingüistico notável são os refrãos e provérbios que de feqüência coloca em dicas ou exclamcões das personagens, ou mesmo do narrador -não sei se populares ou de ideia própria do autor-.

Em pormenor:

A Maria Lionça
A espera expectante do Pedro pelo pai retornado e a conseguinete decepção, lembrou-me “O pai do Miguelinho” de Castelao. E a espera pelos correios que nunca chegam, lembrou-me “Mamasunción” de Chano Piñeiro.

O cavaquinho
Acho que não foi assim bem resolvido, pois não percibi qualquer situação no relatório que ligue com a tragédia final, embora a imaginação me faça pensar que a única hipótese para o pai conseguir o cavaquinho fosse o roubo.

O filho
Encontrei conotações ambientalistas: a beleça e a grandeça do simples, do viver em harmonia com a natureza.

Maio moço
Acho que há uma crítica social á colectividade humana geral por não valorizarmos aquilo que não vem precedido duma posição elevada, dum prestígio, duma façanha.

Em destaque:

Solidão
“Não há falência maior que a de imitar o passado, mesmo que seja o nosso” (do próprio texto)

O lugar de sacristão
Gostei especialmente deste conto porque o autor não é assim tão directo como nos outros relatos. O jogo sicológico é mais sutil:
i) Uma intuição juvenil premonitória que paira no ar e mesmo o proprio protagonista não acerta a conhecer.
ii) O desencontro amoroso que desvenda para ele e para nós leitores o preságio.
iii) A mortificação de lhe assistir nos ritos tirados dum outro amor, que veio substituir o que a ele foi negado.
iv) E um final restaurador duma xustiza íntima e inconfesável.

Este post foi feito por Antom Labranha.


Brancos Estúpidos, Michael Moore, Temas e Debates, 301 páginas.

As pessoas que gostam de livros de geo-política e de ler autores como Chomsky, Petras, Ramonet ou Taibo, por citar apenas alguns nomes, vão achar não pouco de diferente na focagem e no estilo de Moore. Quem tenha visionado o documentário Bowling for Colombine, o mesmo trabalho que lhe valeu um Óscar, saberá de que estou a falar. A temática central é violência e o uso das armas nos EUA. No documentário não faltam dados abundantes com que tecer os fios argumentais mas há mais do que isso. Há também factos, mas temos também um humor corrosivo, pronto a ressumar no momento adequado e sem banalizar a história que se está a narrar. Inesquecível quando se introduz nas casas de cidadãos e cidadãs do Canadá para confirmar que, certeza, as suas moradas não estavam fechadas a sete chaves como nos EUA.

Brancos estúpidos patenteia este estilo mas num formato de página impressa. O alvo é o governo Bush da altura embora não deixe de lado o seu antecessor no cargo, Clinton, e, em geral os democratas de que afinal tiramos a conclusão de não serem uma alternativa lá muita alternativa. Em palavras do autor: Bill Clinton foi um dos melhores presidentes republicanos que tivemos; uma lista imensa de dados evidenciam a sentença.

Porém, a estrela é o Bush. O primeiro capítulo evidencia o golpe de estado que o colocou na presidência da primeira potência do mundo através de práticas como remover do recenseamento milhares de votantes negros e hispanos ou aceitar votos de militares chegados fora de prazo. Sobeja insinuar por quem costumam votar os uns e os outros. A seguir, centra-se no presidente e a sua ação de governo nos seus primeiros meses de mandado com uma comprida listagem de medidas anti-sociais que se poderiam utilizar nas aulas dos nossos liceus para exemplificar o que é Direita com maiúsculas (a maioria dos nossos escolares abandonam a educação obrigatória desconhecendo o que a direita e a esquerda é).

No tema racial é talvez onde desenvolva uma ironia demasiado alargada que o leva a certo paroxismo quando afirma, por exemplo, que só brancos foram responsáveis das grandes asneiras e que haveria que dar emprego só a negros e negras. Porém, alguns dos conselhos que dá aos condutores negros para evitar serem parados pela polícia são mesmo bacanas: “coloque uma boneca insuflável branca no lugar do passageiro (…) Os polícias vão pensar provavelmente que você é o motorista e vão-no deixar em paz”

São muitos os temas que enfrenta Moore como a ecologia, as relações homens-mulheres (quase todos os presidentes e vice-presidentes dos EUA foram homens, brancos e cristãos), a religião ou as prisões, mas sempre neste esquema de corrosão, enxurrada de dados e propostas de ação para reverter aspetos concretos da realidade que na verdade podem ser alterados desde que a cidadania não olhe para outro lado. Neste ponto, a cidadania americana e a galega não sejam talvez lá tão diferentes.

Valentim R. Fagim, presidente da Agal e professor de português.


Materna doçura, de Possidónio Cachapa

“Sacha G. não chegou a rei da pornografia aos vinte anos, como se costuma dizer. Pelo contrário: tinha mais de trinta, um casamento arruinado e muitas dívidas, quando teve a ideia de se dedicar à Pornografia Maternal […] Logo, quando lhe apareceu esta ideia de filmar homens, a rodar nus, à volta do corpo lânguido e acolhedor das mães, não viu nisso nada de estranho. Afinal fora o que ele fizera nos trinta anos da sua existência: girar à volta do seio materno. Pareceu-lhe ser apenas a consagração do mais interdito dos interditos ou, se preferirem, a mais natural das coisas proibidas”

É assim que começa Materna Doçura, primeiro romance de Possidónio Cachapa.

Contra o que poda parecer não se trata de um livro sobre o incesto e sim sobre os vazios que provocam as mães quando desaparecem antes do previsto. E é por isto que Sacha G. fica no romance a preencher vazios, em especial com o Professor, uma personagem que se viu na obriga de adotar uma outra mãe, de tipo táctil, na criada preta Muganga apesar de ter uma mãe viva.

Não se trata de um livro denso, a exigir sacrifícios de qualquer tipo; polo contrário, é desses livros que alcançam a unanimidade entre as pessoas que o leem e que não nos larga logo que estamos presos entre as suas páginas. É desses livros que apontam ao coração e acertam em cheio e é por isso que namora a leitoras/es diversas/os porque no pano de fundo movimentam-se emoções universais.

É igualmente curiosa a sua concretização já que chegou ao seu fim mercê a uma bolsa estatal. O autor apresentara apenas os primeiros capítulos e foi selecionado entre mais de trezentos participantes. Talvez os membros do júri ficaram tão enlevados como ficamos nós e é por isso que o alentaram a finalizar aquela história que na altura era apenas um acervo de boas ideias o que nem sempre promete um desenlace feliz.

Materna Doçura é uma sucessão de pequenas histórias que nos alimentam, histórias que se enredam umas com as outras através de casualidades que por vezes atentam contra a verosimilhança mas nem nos importamos com isso, já que o nosso coração está entregue até chegarmos a um final o bastante aberto onde a nossa imaginação transita à vontade.

Valentim Rodrigues Fagim, presidente da AGAL e professor de português.


Leituras que levamos feito até o de agora!

As leituras que foram feitas pelos membros do clube de leitura de ex-alunos da EOI de Compostela a partir da sua fundação em Outubro de 2009, foram:

1. Amor de Perdição Camilo Castelo Branco
2. Contos Eça de Queirós
3. Mundo Fechado Agustina Bessa-Luís
4. Viver todos os Dias cansa Pedro Paixão
5. A Casa-Comboio Raquel Ochoa
6. A Montanha de Água Lilás Pepetela
7. Meu Pé de Laranja-Lima José Mauro de Vasconcelos
8. Alma Manuel Alegre
9. O Conto Brasileiro Contemporâneo(Antologia) Carmem Vilharino e Luís Ruffato (Ed.)

A próxima reunião do clube vai ser no mês de Março, em data ainda sem determinar. Nela comentar-se-á este último livro e fixar-se-á a leitura seguinte.


Quen somos santengracia?

Os alunos da primeira promoção de português da EOI de Compostela, quando acabaram o curso, decidiram criar um clube de leitura para continuarem a sua aprendizagem de português. Em Outubro de 2009 celebraram a sua primeira reunião e hoje permanecem no clube 12 pessoas que se reúnem 4 vezes ao ano para comentar a leitura de um livro e propor o titulo do trimestre a seguir.

O livro a ler deve ser necessariamente escrito originariamente em português, é dizer, não utilizamos obras escritas originariamente noutras línguas e traduzidas depois ao português, pois o nosso objectivo não é apenas conhecer o idioma, mas também a cultura e os costumes de Portugal, Brasil, Angola, Moçambique e os restantes países da lusofonia.

O nosso clube é aberto. Já se incorporaram nele duas pessoas que não estiveram connosco na Escola mas que gostam de ler Português. Se qualquer um ao ler isto, quer integrar-se no nosso clube, só tem que acudir à próxima reunião que faremos e que anunciaremos neste mesmo blogue com suficiente antelação.