Pega no livro

Clubes de leitura da Galiza com algum livro em português


Porquê ler Capitães da Areia do Jorge Amado?

O clube de leitura Léria terá na próxima terça-feira dia 1 a sessão de debate sobre Capitães da Areia de Jorge Amado. Leonardo, estudante da EOI de Compostela, deixou-nos este comentário do livro. Muito obrigados a ele pela gentileza.

Na semana passada acabei de ler o romance «capitães da areia» do Jorge Amado. É desses livros que uma pessoa nunca quer que acabe.

«Capitães da areia» é um clássico da literatura brasileira e tem motivos bastantes para o ser. Aliás, é um livro curto que está escrito de maneira ágil e com uma língua fácil de compreender para um aluno do nível básico.

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O livro conta a história dum grupo extenso de meninos da rua, órfãos que vivem num trapiche (uma sorte de armazém) abandonado e próximo do cais. As crianças são comandadas por Pedro Bala, líder carismático e autêntico protagonista do romance. O roubo, os enganos e as fraudes são o seu meio de vida.

O Professor, Sem-Pernas, Volta-Seca, Gato, Pirulito, Boa-Vida, Dora, são alguns dos meninos que logo acabamos por conhecer e compreender, porque o Jorge Amado desenha uns personagens com uns perfis psicológicos verdadeiramente complexos e profundos.

O dia-a-dia dos meninos permite chegar-nos ao Salvador de Bahia dos anos 30: uma cidade marcada pela crise originada na Grande Depressão de 1929, pelas diferenças sociais e por uma exuberante diversidade racial e cultural.

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Fonte da Imagem: http://www.universodosleitores.com/2013/02/o-pais-do-carnaval-de-jorge-amado.html

Ora bem, o romance apenas mostra uma parte dessa cidade: A Bahia da pobreza, dos malandros, do candomblé, dos capoeiristas, dos estivadores, dos doqueiros, das mulheres da vida, da varíola, e também dos Capitães da Areia; uma Bahia radicalmente separada e rejeitada pela burguesia dominante.

Jorge Amado oferece de forma crua, sem edulcorantes, a luta diária pela supervivência dos capitães. Mas não é uma historia triste e sem esperança. O livro está carregado de um otimismo contagiante. Apesar de diversos episódios certamente traumáticos (que não vou desvelar), o autor crê num futuro para muitos dos meninos. Alguns até acabarão por ganhar consciência de classe e lutarão para mudar a situação de todos eles.

Provavelmente este espírito positivo tenha a sua explicação em que o Jorge Amado escreveu o romance quando só tinha 27 anos.

Não posso deixar de pensar que uma Bahia similar a esta foi a que achou o meu avô apenas uma década depois, quando emigrou da Galiza. Ele também viveu e trabalhou no cais. Não foi afortunado e retornou aos poucos anos, mas sempre conservou a lembrança daqueles tempos quando era moço na Bahia.

P.S.

Um pormenor curioso!

Alguns dos meninos (provavelmente a maioria) estão inspirados em pessoas reais. Um exemplo é Volta-Seca, aquele menino que sonha com ingressar na banda do rei do cangaço, o Lampião. Lembro que o cangaço foi uma sorte de bandidagem caraterística do Nordeste do Brasil, imortalizada pela literatura e o cinema. De facto, ele foi um dos cangaceiros mais conhecidos da banda, na qual entrou quando era apenas uma criança. A tradição conta que foi o autor de dois dos mais conhecidos hinos cangaceiros: «Mulher rendeira» e «Acorda Maria Bonita». Morreu em 1997.


GALEGAS NO XI ENCONTRO DE ESCRITORAS EM BRASILIA (do 13 a 17 de março)

Uma Luguesa, Adela Figueroa.

* Nota da Pega: Adela é integrante do clube de leitura Tuga-Lugo-Lendo.

Como participante no XI Encontro Internacional de Escritoras, senti a grande honra das minhas colegas, Helena Gallego (Marim.Escritora e jornalista) Célia Vázquez, (Universidade de Vigo, escritora) e de Maite Caramés (lingüista, e magnífica repórter fotográfica). Mas também o meu orgulho pela minha língua universal, extensa e útil, em que nos entendemos com todas as nossas colegas, escritoras do mundo Luso, mercê ao nosso idioma comum. Também por dominar a língua espanhola estabelecemos contacto frutífero com as nossas companheiras, que vindas de toda Sul-América e Miami, intercambiaram a sua criatividade e a sua amizade neste XI EIDE.

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Maria Teresa Caramés Casal e Adela Figueroa No Museu da Lingua Portuguesa em São Paulo. Diante da Canção de Martim Codax, poeta Galego, e de Manuel Bandeira, poeta Brasileiro. Adela iniciou a Palestra em Brasília com esta fotografia. depois de escutar a Vanda Salles de Rio de Janeiro em sua palestra:A poesia Musicada Em Brasil, as cantigas da Mulher do séc. XXI.

A posição das galegas foi a mais vantajosa neste encontro. Não temos qualquer problema para nos relacionarmos em castelhano, mas também podemos exprimir a nossa criatividade e perceber a das outras, na nossa própria língua. A Galiza tem, neste caso, uma posição privilegiada.

Porque a expressão da poesia encontra o seu melhor caminho quando ela for na língua do coração. Na língua em que sentimos. Pode-se traduzir, evidentemente, mas nunca vai dar igual .

Neste encontro conhecemos escritoras de Moçambique, Fátima,Langa ou Rikem, Márcia, Brasileiras entre as que cito com especial afeto e identidade a Vanda Salles,com suas Cantigas para mulheres, Malu Otero, Hermilda Chavarria,ou Valeria Gurgel.

Colombianas, Bolivianas, Mexicanas, etc. Todas deram rendida conta da sua empatia para com o mundo e os seus problemas. Identidades mestiças como resultado da permeação das diversas culturas que se encontraram em toda América, nomeadamente na América do sul.

Escutamos as poesias de Valsema Rodriguez, recitadas com emoção e representação viva e abrangente; os contos, de todos os países como o de Munay Pashñita de Guadalupe Mansilla de Peru.

Comprovamos como a aparente conquista da América por Europa, não pode fugir da influencia dos povos que lá foram dominados: A Negritude vinda da África e a cultura índia dos indígenas, submetidos por Espanhóis ou Portugueses, acabaram por permear a cultura europeia que, na sua soberba fala de descobrimento ou de “culturalização”, ignorando que lá, quando eles chegaram, havia habitantes com língua e cultura diferentes. Que os habitantes da África que lá foram levados, traziam consigo diversas línguas e culturas que também conseguiram impregnar a mais formal dos “conquistadores”.

O resultado é uma viçosa mestiçagem de grande sensibilidade e riqueza que está a forjar uma nova identidade. Percebe-se esta com muita força em Brasil.

País com mais de 220 milhões de habitantes e com um crescimento económico anual de mais do 4% e com uma força vital notória lá onde quer que dirigirmos a nossa olhada.

Perante esta realidade, agora,de volta à velha Galiza, à Europa, não posso compreender como há quem inibe voluntariamente a sua capacidade de falar e escrever em galego corretamente, sendo que esta língua nos abre a porta à nossa cultura e à grande janela da Lusofonia.

Não se entende como o galego não é ensinado sob a norma universal da ortografia comum luso-galega, pois nós, bem que comprovamos que com o galego caminhamos por Brasil todo, entendendo-nos e fazendo-nos entender e , ainda, lemos as nossas obras e demo-las a conhecer neste fabuloso encontro internacional de escritoras. A vantagem das galegas é muito superior à de qualquer outro país, pois as línguas espanhola e portuguesa juntas sumam mais utentes que outra qualquer, para além de tocar em todos os continentes. (É sabido que o nº de utentes de chinês é grande, mas esta língua só é falada num único país e com inúmeras variantes do chinês mandarim)

Não se entende como as editoriais galegas não exploram este campo da Lusofonia onde teriam muitas mais oportunidades, para além dos subsídios da “Xunta de Galícia”. Eu penso que não há nada como a independência e esta tem uma base importante na independência económica. Para mim foi sempre assim e desta maneira agi durante toda a minha vida  com independência).

Quero dar o meu muito obrigada a Nazareth Tunholi, organizadora do Encontro, e a Celia Vazquez da U.de Vigo que me animou a lá ir.

Também a gratidão a Maite Caramés que fez uma excelente reportagem fotográfica quer deste evento quer do nosso maravilhoso passeio por Brasil.

E, ainda a Brasil por ser um país forte, viçoso e com futuro.

Adela Figueroa, participou no XI EIDE com a Palestra: A escritora Galega na Encruzilhada. A oficina(obradoiro) A Galiza na Encruzilhada, apresentação de livros: O Mistério da Escada Interior, recital de Poesias dedicado a Cecília Meireles.


A instalaçao do medo, Rui Zink.

MAIS UMA NOVA CONTRIBUIÇÃO DO CLUBE SANTENGRACIA A RESPEITO DO ÚLTIMO LIVRO QUE LERAM E FOI TEMA DE DEBATE NA REUNIÃO QUE CELEBRARAM NO DIA 14 DE ESTE MÊS DE MARÇO. NESTA OCASIÃO É A ANA MOSQUERA CUJAS OPINIÕES PODEM LER A CONTINUAÇÃO:

Eu gostei desta obra porque nela vi refletida a situaçao atual, a manipulaçao do poder que quer submeter a população através do mecanismo do medo. A indefensão das pessoas da nossa sociedade, que somos manipuladas e atacadas pelo monstro. De uma forma clara e simples, por meio de diálogos didácticos e fábulas exemplificadoras, o autor expõe tudo aquilo com o que estão a bombardear os meios de comunicação, e além disso explicita de forma crua o que sabemos que está por trás (Na ONU, o horror torna-se lógica pura, raciocínio simples: por vezes é preciso matar algumas pessoas (alguns milhões de pessoas, coisa pouca) para salvar a humanidade). Nós somos as vítimas desta crise provocada pelos mercados, e os poderes políticos estão ao seu serviço. Não só somos as vítimas, senão que também temos que assumir as culpabilidades (Temos vivido acima das nossas possibilidades). Tudo isto que provoca a nossa indignação. Nós somos os indignados.

O título do romance cria um horizonte de expectativas confirmadas desde que começamos a ler, no mesmo início:
A mulher está nua (…) quando tocam a campainha
O autor apresenta um ser indefenso, uma mulher nua e descalça. Nem nome tem. Podia ser qualquer uma.
Depois descobrimos que provavelmente é uma mãe, há uma criança a dormir no quarto. Outro ser ainda mais indefeso, que ela deve proteger:
Acorda-o. Põe-lhe um dedo nos lábios. Chiu, meu querido, vais ter de ficar em silêncio. Achas que consegues? Como já fizemos das outras vezes.

Dois operários, o Carlos e o Sousa, entram em casa:
Viemos para instalar o medo
Nao há escapatória possível:
Cidadão que, à terceira, não confirme que entende as instruções pode e deve ser objecto da devida admoestação física, a eleger dentro das legalmente permitidas, ao critério da equipa de instalação
A partir deste momento já lemos o romance com medo.
De jeito magistral, o Rui Zink consegue comunicá-lo, sem aviso prévio nem prolegómenos: indefensão, perigo, urgência… Não nos abandonará até o final do romance. O medo, já conhecido, tem razão de ser.
É um objectivo patriótico (…) É pelo bem do país
A seguir aparecem as ameaças reais da sociedade em que vivemos: a crise, o Mercado, o terrorismo…, expostas de forma muito engenhosa (O mundo mudou. Mas como pode o mundo mudar se as pessoas não mudam?), com ironias (Deixamos de o servir para o servir melhor), comparações (Têm doenças, como os pombos), frases para lembrar (Isto da instalação tem uma parte física e uma metafísica), também humor (O segredo está na massa) e criações de palavras (Sousa sanchopança Carlos).

Gostei porque Rui Zink escreve tudo aquilo que estamos a viver e a sentir.
E também gostei do final. Nele a vítima devém carrasco.
Se calhar há um bocadinho de esperança…


Fábula do terror quotidiano

(Na sexta feira 14 de Março, reuniram-se os membros do clube de leitura «santengracia» na livraria ciranda de Compostela e debateram sobre a leitura do romance «A Instalação do Medo» de Rui Zink. Dous membros do Clube, Sara Paz e João Facal compartem com os clubes da pega-no-livro os sus comentários sobre o livro).

O medo, logo de ser instalado, tende a converter-se em doença crónica, altamente contagiosa também. Prende nas pregas mais íntimas do subconsciente e inicia daí um labor destrutivo sobre a capacidade de discernir, de reagir, de sobrepormo-nos. O medo tem algo de vírus do nosso sistema informático íntimo: modifica o padrom interpretativo, distorce os sinais de alerta e reacçom, emite sinais errados. Chegado a um ponto, o sistema colapsa e passa a modo de suspensom ou desconexom. O terror cósmico, religioso, político, abalárom o berço humano. O económico é a versom actualizada que a nós se nos oferece.
O terror contaminante prende nas sociedades e empurra-as à submissom, ao aforro compulsivo, á reclusom na privacidade, ao ódio ao diferente -o imigrante ou simplesmente o desconhecido- ao voto cativo e servil, ao abandono da ágora pública. Pensamos agora na Europa, na nossa sociedade do risco, permanentemente instalada na expectativa da catástrofe iminente descrita por Ulrich Beck. Pensamos na Europa do Sul, essa categoria política emergente para nomear insolidariedade, indefensom, empobrecimento, medo e fatalismo. A demissom do direito a interpelar o poder e a clausura de todo capacidade projectiva som os seus frutos envenenados. As razons dos damnificados, desprovidas de qualquer perspectiva de mudança, revestem-se de vácua estridência, de impotência.
Se o futuro é o presente som incertos, qualquer um é bom para gerir o temor colectivo e a inanidade cívica: Mariano Rajoy, Passos Coelho, Durão Barroso, por exemplo, chegam e sobram. Dirigir a sociedade comporta a obriga moral de se dirigir a ela, mas, quando o discurso público se reduz a tatejar as consignas da autoridade competente é que chegou a hora dos porta-vozes da baixa qualificaçom. Merkiavelo é o nome que lhe dá Ulrich Beck à autoridade competente embora sejamos conscientes que há mais e mais perigosa também. Os funcionários instaladores do medo que nos tutelam carecem de memória e nem podem imaginar que os pais fundadores de Europa: Alcide de Gasperi (triestino), Robert Schumann (francês de estirpe alemã), Konrad Adenauer (bávaro), três europeios periféricos portanto, falavam entre eles em alemám. Era quando a Europa sabia quem era Europa; agora abonda com a basic english, o idioma por defeito dos manuais de instrucçons, que os funcionários instaladores adoram.
Rui Zink, Lisboa, 1961 -que “escreve livros, dá aulas, imagina coisas”, como ele mesmo se descreve- vem de dar à luz umha inquietante parábola do insidioso desespero quotidiano que foi tomando posse das nossas moradas sem nós percebermos. Um autêntico “hóspede inconvidado” como aquele o que Pessoa percebia no seu destino. A fábula de Zink, A instalação do medo , é um relato escrito com a fria precisom cirúrgica e sentido do humor que o reconto do inevitável requer. Kafka está muito próximo. A fábula do Zink nom prescinde mesmo de um breve apêndice final justificativo das suas fontes documentais: as manchetes dos informativos diários ou os arquétipos de Lovecraft, afinal duas fontes mais próximas do que se poda suspeitar.
A artefacto do medo que os agentes da autoridade se empenham em instalar navega por títulos em destaque tirados da imprensa misturados por essas inquietantes imagens que, como avelaínhas nocturnas, nutrem os nossos pesadelos. A história do Rui Zink tem o ritmo inexorável da desgraça inevitável e a fria lógica burocrática do medo habitual e socializado. É de nós de quem fala a história.
Assistim por acaso ou providência à apresentaçom da Instalaçom de Rui Zink. Foi na Aula Magna da Faculdade de Filologia. O acto véu precedido por um breve simulacro teatral do relato a cargo do grupo viguês do Instituto Camões. Toma agora a palavra o Rui Zink: “Se eu fosse um rapazito novo ia mijar diante da Assembleia da República, ou mesmo diante da mansão do Primeiro Ministro, mas, com já fiz os cinquenta decidi escrever umha história”. Estamos diante de um amante da palavra livre. “A vida é tão rara”, cantava o Osvaldo Lenine Macedo Pimentel, Lenine para os amigos . “A vida é sempre muito mais do que a literatura” afirma convicto o Rui Zink. O escritor -proclama depois perante a audiência da Aula Magna- tem a ineludível obriga de exercitar precisom e clareza; a ambiguidade e a liberdade interpretativa som um atributo do leitor. É umha declaraçom de respeito ao observador anónimo, ao leitor, cuja vida o escritor nem pode suspeitar e que lhe permite às vezes entender a história melhor do que o próprio autor. A vida é muito mais.
Fai troça o Rui Zink do seu ofício: “eu gostaria ser convidado para as delegaçons culturais organizadas, mas é habitual que se esqueçam de mim”. Enumera depois amizades, mestres do olhar. Entre eles um amigo comum, Alberto Pimenta. Topei com Alberto Pimenta num canto da livraria Abraxas -que já nom existe- lá estava o seu: Discurso sobre o filho-da-puta em versom castelhana que ainda cheguei a tempo de partilhar com a querida decadência humana do Luís Marinho pouco antes de ele morrer. Há pouco, o livrinho do Pimenta fijo-se o encontradiço comigo noutro canto, desta vez na livraria Centésima Página de Braga. O livro, por motivos que desconheço, anda atrás da minha pista. Ignoro as razons, a vida é rara. Pimenta, especialista em detecçom das fissuras nos muros do viver acompanha discretamente a fabulaçom do Zink até o mesmo final em que se revela tal qual é. O Corolário que fecha A instalação do medo vem presidido por umha cita do Pimenta: “Dizes, é necessário construir o futuro. Agora percebo por que afundas o presente. Para instalar os alicerces.” O poeta experimentalista cochicha ao autor o argumento da conspiraçom diária.
A fábula é transparente embora os instaladores por conta de outrem nem cheguem a suspeitar o desígnio oculto que move os seus procedimentos. Construir o futuro sacrificando o presente, endireitar o torto, frear as más tendências da nossa natureza torcida em nome do futuro perfeito ou aperfeiçoado. Quem está legitimado para marcar o rumo colectivo senom aquele que detém o divino atributo da omnipotência, da maioria absoluta, do desígnio manifesto revelado pola raça, a classe ou, simplesmente, polo amo?
Os protocolos de instalaçom do medo som precisos, sem equívocos, embora requeiram umha mínima colaboraçom da parte do sujeito passivo. Podem advir percalços, com certeza, nem sempre os ritos de purificaçom alcançam sucesso. O século XX confirma o risco de fracaso dos futuros definitivos instalados mediante estado de sítio de indeterminada duraçom. O Rui Zink nom esquece tal eventualidade no relato. O terror é imprevisível e caprichoso por natureza e o relato do Zink nom esquece incluir os seus trasacordos de última hora.
Joám Lopes Facal

1 Rui Zink, 2012: A instalação do medo, Teodolito, Edições Afrontamento.
2 http://letras.com/lenine/47001/
3 Alberto Pimenta, 2010: Discurso sobre o filho-da-puta, 7 Nós, Porto.


A INSTALAÇÃO DO MEDO de Rui Zink

Esta ficçao filosófica reflecte sobre a instalação do medo, uma das consequencias da crise atual, segundo lemos no blog Ars integrata :“ a sua trama fornece pistas para que seja o próprio leitor a poder esconjurá-lo (…) sendo um manual de auto-ajuda, contraponto ao manual de bolso da classe política: O Príncipe, de Maquiavelli.”

Em Literatura e arte, Yvette Centeno escreve: “ Tive, ao ler A instalação do medo, a mesma emoção feita de espanto causada pela leitura de O processo, de Kafka.(…) Um medo viral, parente da solução final do holocausto; empobrecer em vez de matar.”

No Jornal de Noticias, Manuel Serrão opina: “prova real da verdadeira instalação do medo são as teorias do rigor com que Merkel tem feito as cabeças dos nossos governantes: ninguém aguenta tanto rigor,tanto tempo. A não ser que queiram começar a falar de “rigor mortis”.

No blog A viagem dos argonautas lemos: “ Esta obra é um grande fresco da sociedade portuguesa, realidade que Rui Zink, pela ironia crua nos convoca a combater”.

Eu acho esta obra emparentada com 1984 de Orwell, e Farenheit 451, de Ray Bradbury. Todas parodiam e satirizam a realidade social sem tomar partido, para que o proprio leitor extraia conclusões.

Mas não gostei da mistura de dois tipos de medo: O de género, mais atávico, a não perder a vida dum filho ou de o corpo ser ultrajado; e o comum à sociedade, aos homens e mulheres, um medo material a perder bens e direitos, mas não comparável ao medo da mulher. A violação fui usada em todo o mundo como arma de guerra ( paquistanís contra as hindúes e bengalís, rusos contra alemãs, serbios contra bosnias, japoneses contra coreãs, etc.). Ruanda, Guatemala, Afganistão,…Os estudos falam de milhões de mulheres ultrajadas em todo o mundo, facto que serviu para expandir o medo a toda a população, já que é uma arma muito barata além de efetiva. O controlo do corpo sempre foi um objetivo político,

Eu pergunto-me que cambiaria na intenção deste livro se aos dois homens que instalam o medo lhes abre a porta um homem… “A mulher está nua” são as palavras que abrem o livro..desprotegida.. mas já abre com receio pois vá agachar ao menino antes de abrir. A primeira ameaça dos homens é a de género, mas logo começam a categorizar medos para crianças e medos

para adultos, medo a serem roubados, e finalmente medo aos mercados…É este medo aos mercados só para homens? Ou mais importante do que outros medos? A redução de salários, o medo dos velhos aos recortes em sanidade, ás hordas de imigrantes, de gente desempregada, com fome…mas, no fundo, é outro tipo de medo comúm aos dois géneros.

O autor dá uma breve luz de esperança com a reação final da mulher, embora seja um final amargo que deixa ao leitor intranquilo. Uma obra que faz reflexionar e não deixa indiferente.

Sara Paz