A sessão de debate dos Lugo-lendos foi a 24 de maio no Centro Cívico Maruja Malho.
Ou dez ou cinco, sem termo meio: as pontuações mostram que os Passos em Volta não deixaram ninguém indiferente. Por outras palavras: um ótimo livro para garantir o debate entre as/os clubistas. O resultado global foi de nada menos do que 8,25 de 10.
O livro de Herberto Hélder é difícil de etiquetar: coletânea de contos? Narrativa biográfica com ficção à mistura? Ficção a caminho da prosa poética? Enfim, categorias e rotulagens servem para pouco, não é?
Quem não gostou muito do livro, foi pelo excesso de obscuridade e a sensação de que pouco ficava na memória depois de ler cada uma das histórias.
Quem sim gostou regalou-se com a maneira de contar do madeirense; com a combinação imprevisível, inusitada e sempre certa de palavras; e com os ambientes circulares e sugestivos.
Algumas das histórias mergulham na vida de um narrador abeirando sempre do limite: viagens errantes nos Países Baixos, quartos de pensões baratas, álcool, relações com prostitutas, e um pouso persistente de marginalidade.
Será, então, que os Passos em Volta deprimem e deixam sensação de derrota? De comboio em comboio, de bar em bar, de quarto em quarto: onde é que se acha uma fresta de esperança neste livro? Foi por aí que enveredou grande parte da discussão.
Intui-se alguma possibilidade de saída no relato Duas pessoas, onde as vozes de um homem e uma prostituta se procuram:
Estou só, apenas isso, e a muita gente já tenho ouvido dizer o mesmo. Às vezes ele toca-me no rosto com muita atenção e vejo que há por detrás dos seus gestos, do silêncio, um ardor exasperado mas impaciente ou envergonhado de si. É um homem que eu deveria socorrer. Tento mostrar-lhe que há algures, nas nossas possibilidades humanas, uma zona onde a vida se regenera. Eu própria gostaria de ser mais alegre e generosa, mas hesito nos meus impulsos.
Trezentos e sessenta graus, o derradeiro conto do livro, é o regresso a casa do narrador, o encontro com os pais. É também nestas páginas que o próprio título da coleção – Os Passos em volta – deixa que o leitor desvende algo do seu sentido:
A mãe dobra-se para adiante e tira do cesto da costura o pano e as linhas de um bordado. Começa a trabalhar com uma aplicação inconsciente, um jeito imemorial – e a cabeça vazia inclina-se também para a urdidura inútil de um emblema, um símbolo: a fiel garantia do mundo. E o coração inclina-se, o coração também horrivelmente vazio. O centro é esta tarefa absurda, a continuação do tempo. A imensa inutilidade de tudo apazigua-me. Sou vil. Paz e vileza: toda a minha vida. Eu também envelheço — penso abruptamente. É primeiro uma dor no raiz do sangue.
E já nas últimas alíneas do livro:
– Voltaste. Voltaste.
Que grande aranha, esta mãe velha. As suas patas finas corriam sobre o bordado. Bordaria pelos séculos adiante.
Nesta procura de sentido e na necessidade do mais quotidiano para sobreviver, o livro de Herberto Hélder abeira-se de algumas passagens do Húmus de Raul Brandão, outro livro bem circular e de ambientes também obsessivos, neste caso ambientados em Guimarães:
Só a insignificância nos permite viver. Sem ela já o doido que em nós prega tinha tomado conta do mundo. A insignificância comprime uma força desabalada (Húmus, R.Brandão)
Houve também quem encontrasse neste livro ecos de Charles Bukowsky, Otero Pedraio (no título e na viagem por Europa), Méndez Ferrín, ou Frank Kafka. Mesmo se comparou o teor poético do livro com a poesia de José Ángel Valente, naquilo que diz respeito às imagens de ascensão e queda.
E assim foram dando as 13h30 no Centro Maruja Mallo. E pegando nas palavras do Hélder, a seguir à reunião, sempre “podemos beber uma cerveja como se fosse a última”. Tampouco costuma faltar, ao fim das sessões dos Tugas, uma última cervejinha, vinho, água ou refrigerante com petiscos – que sempre acaba por ser mais a penúltima do que a última. Alguns fomos mesmo jantar ao Parque Rosalia, e continuamos a conversa entre saladas de cogumelos e espetadas de frango com caril.
E depois partiu cada um à procura do seu coleocanto, por esse mundo além.
Mas voltar, voltaremos, no dia 14 ou 15 de setembro, com a nossa seguinte leitura: Neighbours, de Liliá Monplé.
Muito obrigado a quem assistiu.