Pega no livro

Clubes de leitura da Galiza com algum livro em português


REUNIÃO DO CLUBE SANTENGRACIA

No dia 13 de junho do 2014 reuniram-se os membros do clube de leitura «santengracia» para analisar o livro que estiveram a ler durante os meses da primavera. Um deles elaborou o seguinte texto que transcrevemos:
«O ÚLTIMO CAIS
O leitor mergulha-se no ambiente da burguesia da ilha da Madeira na segunda metade do século XIX.
A personagem principal é um médico que se ausenta periódicamente da ilha para exercer as suas funções a bordo em diferentes travesias pelos oceanos Atlántico e Índico. Nas conversas nestes barcos saim à luz opiniões sobre acontecimentos políticos da época: a abolição da escravatura, a guerra dos Boers, o movimento republicano em Portugal, o reparto de África entre as potências europeias, o incipiente movimento sufragista…
A personagem principal não o é tanto como um fio condutor das diferentes protagonistas do relato, todas relacionadas familiar ou sentimentalmente com aquele, sendo elas o principal objectivo da autora, a qual descreve a situação da mulher como vítima de um sistema que a discrimina dramáticamente.
A narração é fluida e as personagens bem construídas e verossímeis. Porém algumas delas ficam em um mero esboço e teria sido desejável um maior aprofundamento.»

O LIVRO FOI VALORADO COM 7,64

Uma das críticas expostas na reunião expressava a dificuldade do leitor em seguir o desenvolvimento do relato no relativo à multitude de pessoas que o habitam, por quanto as relações de parentesco faziam-se complicadas e difíceis de seguir , obligando o leitor a reler páginas anteriores para recuperar informações difíceis de lembrar de uma página para outra. Alguém do clube elaborou um relatório onde aparecem os nomes das pessoas junto com as suas relações com as outras e indicação da página ou páginas onde se falava de cada umha delas. Esta informação, junto com um glosário, foram coladas na secção de recursos de este blogue.
Acordou-se para os meses de verão, a leitura do romance de JOÃO TORDO:
Biografia involuntária dos amantes


O ÚLTIMO VOO DO FLAMINGO (Mia Couto)

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O ÚLTIMO VOO DO FLAMINGO (Mia Couto)
TEMPO: pós-guerra em Moçambique, depois da independência

LUGAR: vila imaginária de Tizangara

ESTRUTURA e PERSONAGENS: o romance está estruturado em capítulos e contado em primeira pessoa pelo narrador que é quem apresenta tudo sob o seu ponto de vista a travês do personagem de tradutor e intérprete que ele desenvolve ó longo de toda a obra, como nativo do país ante o enviado das Nações Unidas
o italiano Massimo Risi, enviado pela ONU para investigar a origem das mortes dos capacetes azuis
Estevao Jonas e sua esposa Dona Ermelinda. Ele é o administrador de Tizangara
Chupanga, seu moleque
Sulplício, pai do narrador
A mae e esposa do anterior
Ana Deusqueira, a prostituta
O Padre Muhando, acusado de ser o explodidor dos capacetes azuis
Zeca Andorinho, o feiticeiro
Temporina, a moça- velha enleada com o Massimo
O irmao tonto de Temporina
Hortênsia, tia de Temporina, aparece em forma de inseto, um louva-a-deus
CARACTERÍSTICAS DOS PERSONAGENS:

Estevao Jonas, é um “agradista”, um “engraxa-botas”. Ele mostra-se “emperuado” com a sua posição atual, usa e abusa do poder. Quando chegara a Tizangara, vinha da guerrilha e as pessoas o olhavam como um deus.
Dona Ermelinda,personagem grotesco, pagada de si e com influência sobre o seu esposo, o administrador.
Ana Deusqueira, prostituta descrita em tom humorístico e posta em valor de como uma prostituta faz parte da investigação das mortes dos capacetes azuis explodidos. É muito importante a sua presença quando aparecem os pénis decepados “ para identificar o tudo pela parte”
Ela mesma contribui a fazer valer sua condição:
“Duvidam? São puta legítima”
“Uma puta nunca é ex. A putície é condanaçao eterna”
“Os soldados explodem. Não por mina, mas pelas mulheres que somos engenhos explosivos”
Temporina, personagem que introduze elementos oníricos e divinos, misturados com a realidade, símbolo doutra dimensão.
Zeca Andorinho, o feiticeiro que representa as raizes do povo, com poderes para tomar decisões com o Chupanga. É a voz dos antepassados quando diz que eles não estavam satisfeitos com os andamentos do país. Ele afirma que falta gente que ame a terra. Aliás, como noutros lugares de África. Faltam homens que pusessem respeito nos outros homens.
Sulplício, personagem fundamental, pai do narrador, voz crítica da situação dos moçambicanos em relação com os brancos estrangeiros.
Ele mesmo é preto: “não entendíamos a injustiça nem antes na guerra , nem agora na paz”.
Tinha sido polícia no tempo dos colonos, quando a independência e fora “prateleirado”.
“Fomos socialistas aldabroes. Somos capitalistas aldabrados”.
No tempo da colónia, Sulplício apanhara o Jonas caçando elefante e mandou-o a prisão. Foi quando a dona Ermelinda aparecera na prisão clamando que aquilo “era perseguição política”.
A travês deste personagem do pai, o narrador estabelece a oposição pretos/brancos, e como o administrador e a esposa estao com com os ocupantes estrangeiros.
Sulplício não entende como seu filho pode juntar-se, mesmo no rol de tradutor e por rações de trabalho, com os estrangeiros:”E você, meu filho, ainda se junta com essa gente”.
O filho concorda com o pai quando afirma: “Carecia-se de castigo contra os olhares compridos dos machos estrangeiros. Sobre tudo se fardados de soldados das Nações Unidas”.
Mesmo os inocentes caíam vítima da barbárie branca: como o irmão tonto de Temporina quando pisara uma mina e explodira.
Na campanha de desminagem, a presença de brancos é criticada pelo narrador. Ele próprio fala duma tripla espionagem:
– “eu espiava o italiano.
Chupanga me espiava a mim.
O administrador espiava a todos nós”
Quando o Padre Muhando é acusado de ser o explodidor, responde: “ fui eu mesmo que fiz explodir essa estrangeirada”.
Sulpício estava fora das modernidades e achava que a sua voz gravada podia ser empregada como feitiço contra a terra já martirizada.
Conta como iam á caça do flamingo para depois comê-lo, quando ele era criança.
Matar flamingos era prova de macheza “eu fiquei reprovado, um tanto mulherado até que conheci sua mãe: ela mesma inventara a estória do flamingo para acalmar meus fantasmas”.
Assim se explica o TÍTULO DO LIVRO.
Sulplício desconfia dos estrangeiros: “eles se preocupam com a ordem, para manter a ordem que lhes faz serem patrões. Não se interessam pela paz”.
“Não deixe nunca que um estrangeiro mande em si”, diz ó filho.
Quando Sulplício retirava os ossos do seu corpo e os pendurava duma árvore , pide ó seu filho que “não deixe esse branco chegar aqui. Não quero que me veja assim”.
Quando a barragem ia ser rebentada para que tudo ficasse inundado para apagar provas, diz par ao filho “leve esta pistola, mate-me esse Chupanga”.
Mas o filho não quer matar e diz assim a seu pai “ O Senhor nem flamingo matou”.
Para o pai, Chupanga “aquilo nem é homem. Simples bicho”.
RECURSOS ESTILÍSTICOS
Há um tom caricatural em toda a obra: no desfile das autoridades, na receção á delegação estrangeira, nos pénis encontrado decepados na estrada, no personagem da prostituta, na mulher do administrador, nos alinhados…
Ironia quando se fala dos Pakistanis por “usarem saias. Não é pois estranho que usaram bâtom, como se vê nos copos de wiski”. São tratados de efeminados.
Crítica aceda dos pacificadores brancos: os que comandavam roubavam terras aos camponeses. Sem amor pelos vivos, sem respeito pelos mortos.”
Realismo mágico com mistura do real e do imaginário: a mãe morta travou por um braço ao tradutor e os dois conversam. O filho pede-lhe que lhe conte a estória do flamingo: “Em fins de tarde, os flamingos cruzavam o céu”. Presença da mãe também na lembrança : “Minha mãe ficava calada contemplando o voo. Para ela, os flamingos empurravam o sol para que o dia chegasse ao outro lado do mundo”
Magia, feitiçaria, superstição envolvem todo relato “ o feitiço começa com o namoro. No preciso momento do orgasmo é que os homens explodem”. “ Eu já tinha ouvido falar disso, quando os estrangeiros montam as meninas de explodirem”.

 

POR QUE ESTE TÍTULO?
Todo o romance nos vai deixando pistas que explicam o porquê se titula assim.
Na noite quando se perde a noção da terra, é a presença e a voz dos flamingos que orienta os pescadores.
Quando ao final Sulplício embarca numa canoa para desaparecer, no longe parece não ser barco mas pássaro “ um flamingo que se afastava”.
“A viagem em que tinha embarcado meu pai tinha sido o último voo do flamingo. Até que escutei a canção de minha mãe, essa que ela entoava para que os flamingos empurrassem o sol do outro lado do mundo”.

 

 

O clube deu-lhe uma pontoação meia de 6,6