Pega no livro

Clubes de leitura da Galiza com algum livro em português


MULHERES DE CINZA de Mia Couto

 (romance lido pelos membros do clube Santengracia durante a primavera de 1018)

Pertence a uma trilogía sobre os últimos días do chamado Estado de Gaza, império africano de antes da colonização. Os portugueses tinham chegado a Moçambique nos finais do século XV, não com o intuito de tomar posse de aquelas terras, mas como escala no seu camino para a Índia. Lá tinham um enclave para reabastecer as naves e preparar os tripulantes para o último chanzo do percurso à terra das espécias.

No século XIX começa a conquista e colonização de Àfrica por parte das potencias europeias que queriam entrar no reparto em que únicamente Inglaterra e Portugal tinham alguma porção. Na corrida que com tal motivo se iniciou, os portugueses viram-se na necessidade de justificar o seu dominio sobre a mais grande extensão possível à volta de Lourenço Marques e alguma outra vila ou porto onde uncamente até então estavam instalados. No resto do que hoje é Mozambique muitos dos nativos não tinham visto nunca um branco nem ouvido uma palabra de portugués.

Estes habitantes naturais de Moçambique não eran, como às veces se crê, individuos ancorados no neolítico, agrupados em pequeñas aldeias desconetadas umas das outras. Também eles têm a sua história; acontece, porém, que não accederam à escrita e portanto, só conhecemos a parte dela que flui em simultâneo com a presença dos europeus.

E aqui entra o relato de Mia Couto. No quadro das guerras coloniais em que Portugal luta contra o Estado de Gaza, importante império de Africa dirigido por um africano: Gungunhane.

Algumas das personagens mais importantes do romance são:

IMANI

Protagonista do romance. Rapariga de 15 anos, preta, da tribo dos VaChopi (Chopes, para os portugueses) do litoral de Moçambique, oposta à invasão dos VaNguni e em consequência, aliados dos portugueses. A sua aldeia é Nkokolani e vive no temor da chegada dos exércitos do Chefe dos VaNguni (Chamados pelos portugueses «Vátuas»)

SARGENTO GERMANO DE MELO

Co-protagonista. Foi condenado a degredo em Moçambique pela sua participação na revolta republicana de 31 de Janeiro no Porto de 1891 (https://pt.wikipedia.org/wiki/Revolta_de_31_de_janeiro_de_1891)

Destinado em Nkokolani, instala-se na cantina do Sardinha –que também era quartel- e coloca ao seu servizo aos irmãos Inani e Mwanatu. Escreve um monte de cartas ao conselheiro José d’Almeida.

 

FRANCELINO SARDINHA

Cantineiro portugués em Nkokolani

KATINI NSAMBE

Pai de Imani

DUBULA

Irmão de Imani. Contrário aos portugueses e favorável aos Vátuas.

CHIKAZI MAKWAKWA

Mãe de Imani

MWANATU

Irmão de Imani. De poucas luzes põe-se ao servizo do sargento Germano.

BIANCA VANZINI MARINI

Proprietária da estalagem em que pernoctou Germano quando começou a sua vida de militar degredado. Italiana de orígem, viera a Moçambique como sucedáneo da morte que não tinha sido capaz de infringir-se.

CONSELHEIRO JOSÉ D’ALMEIDA

Não achei nenhuma citação dele na rede. Quiça seja fictício mas suspeito que existiu. A sua única função no relato é o de correspondente do sargento Germano.

ANTÓNIO ENES

Personagem histórico, no tempo em que transcorrem os feitos do relato era Comisário Régio em Moçambique. Mais informação em

https://pt.wikipedia.org/wiki/Ant%C3%B3nio_Enes

MOUZINHO DE ALBUQUERQUE

Histórico. Importantíssima figura militar a quem correspondeu a conquista do sur de Moçambique derrotando e fazendo prisioneiro ao Chefe Gungunhane. A sua biografia pode consultar-se em:

https://pt.wikipedia.org/wiki/Joaquim_Augusto_Mouzinho_de_Albuquerque

 

AYRES DE ORNELAS

Histórico. Correspondente da última carta do sargento Germano. Foi outro militar importante. Acérrimo partidario da monarquia, esteve envolvido na tentativa de restauração monárquica de 1919, o episódio da Monarquia do Norte, liderada pelo seu correligionário Henrique Mitchell de Paiva Couceiro. Quando foi proclamada a República em 1912, foi nomeado Lugar-Tenente do Rei D. Manuel II de Portugal, então exilado em Londres, aonde o acompanhou. Mais informação em:

https://pt.wikipedia.org/wiki/Aires_de_Ornelas

Comentário:

Romance em que há elementos mágicos, oníricos e também algum realismo descritivo. Confluem duas mentalidades antagónicas: a dos nativos e a dos colonizadores. Aqueles com a sua cosmogonía baseada em sombras, defuntos, fenómenos naturais, árbores, aves, ventos, chuva, nubens..; estes com a sua, baseada no cristianismo e na disciplina militar, no honor e o servizo à Patria e à Coroa. O irreal mundo misturado de sonhos e realidades em que acreditam os indígenas, pode lembrar o Macondo de Garcia Márquez (O qual não quer dizer que tenham nada a ver um e outro escritor).

Para nós, galegos, há um trecho que não posso não citar:

E partilhei então uma lembranza que trazia de Lisboa. Aconteceu uma única vez em que assisti, levado pelo meu pai, a uma tourada. A um certo momento, como o touro se encontrasse cansado e bonacheirão, lançaram para a arena uma meia dúzia de pretos, enfeitados com penas e montados nuns ridículos cavalos feitos de papelão. Este enfeite roubava-lhes mobilidade mas reforzava o tom de caricatura que empolgava a multidão. O touro arremeteu contra os pobres diabos e todos eles foram terrivelmente maltratados […]

-Não era racismo. Ou talvez o fosse. A verdade é que também atiravam galegos para dentro das arenas.

-Os galegos são negros?

-Não. São como nós. (Página 364)

Carlos Campoi Vasques

CONTOS POLICIAIS

Livro lido pelos membros do clube de leitura «santengracia» composto por pequenos relatos da autoria de diferentes escritores portugueses. Envio aqui as minhas opiniões pessoais (e a minha qualificação) sobre cada um deles.

  1. «Desaparecida» DULCE MARIA CARDOSO

Relato muito bem contado onde o leitor deixa-se levar até um final que o mergulha na perplexidade: Quem era a mulher que está a apodrecer na bagageira do carocha amarelo? A mãe tinha matado verdadeiramente a filha ou só confesou a causa da tortura? E mais perguntas. Serei eu que não alcanço?        QUALIFICAÇÃO: 6

 

  1. «O Manuscrito de Buenos Aires» FRANCISCO JOSÉ VIEGAS

Conto borgiano onde numa cidade muito livresca, com grandes livrarias, numerosos alfarrabistas e bibliotecas reais e imaginárias, como aquela de dimensões infinitas de Borges, entram e saem personagens impossíveis que perseguem quimeras literárias como os fragmentos das grandes obras que os seus autores deixaram sem publicar perante diversos temores: igreja, estado, sociedade…

O protagonista procura um manuscrito perdido de Cervantes que quiçá possa achar entre os papeis do espolio de um professor argentino que trinta anos antes lho tinha roubado a um poeta cego, se calhar descendente colateral do genial maneta, se calhar falsificador do tal manuscrito.

Ha muita literatura dentro de este relato por onde desfilam escritores reais e fictícios. Aparece também Jorge de Burgos, aquele frade criado por Humberto Eco que posuia um exemplar do segundo livro da Poética de Aristóteles do que se tinha perdido a esperanza de acha-lo depois de desaparecer no incendio da biblioteca de Alexandria, onde se cre que estava o original, e todas as cópias durante a Idade Média. (Lembre-se que Eco criou a personagem do bibliotecário cego em homenagem ao cego Borges que tão formosos relatos compôs sobre bibliotecas.    QUALIFICAÇÃO: 9

  1. «Bucareste-Budapeste: Budapeste-Bucareste» GONZALO M. TAVARES

Duas linhas parallelas que, contrariando a sua natureza, terminam por coincidir em um ponto que é uma linha fronteiriza fortemente militarizada.

Dous transportes macabros, um deles utilizando o veículo menos habitual no relato policial: a bicicleta.

O desenvolvimento do conto é ágil, o interesse do leitor vai in crescendo e não falta um fino sentido do humor que sobrevoa por cima da narração. Compliu com notável (baixo) o Tavares com a encomenda do editor.    QUALIFICAÇÃO: 7

  1. «Ao seu Alcance» HÉLIA CORREIA

A autora queria ser Bergman em «O Sétimo Selo» e saiu-lhe um exercício literário com belas metáforas e interessantes recursos estilísticos mas o argumento ficou, frouxo, insípido e incapaz de captar a atenção do leitor. QUALIFICAÇÃO: 5

  1. «A Colina» MAFALDA IVO CRUZ

Mesmo que o conto ia por bom camino, deixa no final uma sensação de incompletitude: faltaria uma segunda parte para saber se o presumido assassino da criança, o home que ora em latim e foi talhante em tempos, é verdadeiramente culpado, e quais teriam sido os motivos para ejecutar fato tão atroz.                QUALIFICAÇÃO: 7

 

  1. «São Jerónimo e o Leão» MÁRIO CLÁUDIO

Mário Cláudio consagra-se neste relato como o grande escritor que é, um dos grandes do atual panorama literário luso. Aqui oferece-nos um conto que vem a ser um romance concentrado ao máximo com personagens, lugares e comportamentos bem pormenorizados mália o pequeno número de páginas.

Há famílias antigamente poderosas hoje em decadência, militares devassos, advogados gastrónomos com inclinações literárias, comerciantes de arte e, sobretudo, um desfile de artistas flamengos e holandeses da época em que foram o cume da pintura europeia.                     QUALIFICAÇÃO: 10

 

  1. «A Perdição do Sorriso Cromado» RICARDO MIGUEL GOMES

Quase cómico relato se não fosse que paira sobre ele um caso de flagrante violència de genero motivada obscuramente por um conflito entre proprietários de um condomínio ou por uma ideia infelizmente tão frequente de asunção da propriedade sobre a mulher por parte do amante atual ou antigo, tanto tem.

As chiscadelas hilarantes salvam, um pouco, o conto que não fica muito por cima da mediocridade.                           QUALIFICAÇÃO: 5

 

 

 

  1. «D. Quixote» RUI ZINK

O Rui Zink apresenta-nos um lutador de todas as causas: políticas, ecológicas, urbanas, sociais…muito locuaz, muito convencido; que utiliza o seu carisma para levar raparigas à sua cama. O relato é o depoimento perante um juiz que não fala (lembrei «A Esmorga» de Blanco Amor).

Agradecem-se as piadas e anedotas intercaladas no discurso que, no entanto, é repetitivo se calhar para encher o número de páginas pactuado com o editor.                   QUALIFICAÇÃO: 7

 

  1. «O Criminoso Portuguesinho» VALTER HUGO MÃE

Assim como Cervantes ridicularizou os romances de cavalarias, o Valter Hugo Mãe o fez com os policiais neste relato. Mesmo parecem D. Quijote e Sancho o inspector e o assistente, aquele alto e magro; este baixo e atarracado e com muitos exóticos saberes como os probérbios carregados de sabiduria popular do Sancho Panza. O assistente ve a realidade e age com sentido prático, enquanto o inspector anda perdido com os seus preconceitos.

Relacionam-se as voltas e reviravoltas dos polícias na procura do esclarecimento do crime, mudando de um local para outro em simultâneo com o descarte de um suspeito para o trocarem por outro, em um enredo próprio do Hércules Poirot ou de Sherlok Holmes, com deduções próprias de estes personagens da ficção policial, tamisados pela peneira do humor genial do magnifico e divertido escritor que é o Valter Hugo Mãe.                      QUALIFICAÇÃO: 10

Carlos Campoi e Vasques


Dois irmãos, Milton Hatoum

 

Dois irmãos. Milton Hatoum/Edições Cotovia, Lisboa, 2000

O romance marcado pelo Clube da Santengrácia para o 3 de Junho de 2016, depois duma interminável primavera de chuva e frio que convidava os leitores à saudade do bafo tropical que impregna o relato de Hatoum, tem muito de saga familiar, com raízes libanesas e destino tropical em Brasil. Do mediterrâneo luminoso à luxúria tropical de Manaus.

O romance descreve o impossível convívio entre dois irmãos gémeos: Yaqub e Omar, o caçula. A pugna será a ruína da convivência familiar provocada por Omar, o grande amor da sua mãe, Zana. O pai no entanto, Halim, ficará cada vez mais isolado e amargado por uma família rompida e o irresponsável comportamento do caçula.

Também há uma filha, a Rânia, solteira afinal por decisão própria e atraída também irremissivelmente por Omar e os seus excessos como se estes fossem as virtudes mais prezadas polas mulheres da família. A fatal ligação com prostitutas de ínfima condição e amigaços pouco recomendáveis dos bairros baixos de Manaus parecem acrescentar o atractivo do irmão rebelde no coro feminino familiar. Há ainda outra figura feminina, a Domingas e o seu filho, de incógnita paternidade este, oculta no segredo familiar. As mulheres são o autêntico pano de fundo do relato: Zana, a Rânia, Domingas, mas também a Mulher Prateada, a Pau-Mulato e as do lupanar lilás que vão tecendo os efémeros amores do caçula. Yaqub, no entanto, desaparece aginha da cena familiar para fazer vida própria como reputado engenheiro em São Paulo. Uma figura praticamente invisível no relato a não ser como contraponto da permanente agitação e desmesura do irmão

O romance, rico é peripécias, é essencialmente linear no argumento: o amor incessante, de forte contido sexual entre Halim e Zana acabará naufragando no permanente enfrentamento entre os dois irmãos; o engenheiro apartado para sempre do convívio familiar e o crápula omnipresente.

Detrás, como um bordão, a luxuriante natureza tropical:

Sentada na proa, o rosto ao sol, parecia livre e dizia para mim: “olha as batuíras e as jacanãs”, apontando esses pássaros que triscavam a água escura ou chapinhavam sobre folhas de matupá; apontava as ciganas aninhadas nos galhos tortuosos dos aturiás e os jacamins com uma gritaria estranha” (p. 80)

“Peixes os mais variados, de sabor incomum, cobriam a mesa: costela de tambaqui na brasa, tucunaré frito, pescada amarela recheada de farofa. O pacu, o mastrinxã, o curimatã, as postas volumosas e tenras de surubim.” (p 179).

Matéria de dicionário Houaiss? Em nenhum caso: música de recheio mais bem, incompreensível, sugestiva, embalante, protagonista permanente no relato.

O romance pareceu-me excessivo apesar da sua riqueza formal. As razões são duas, a primeira é a complexidade do vocabulário brasileiro para qualquer aprendiz de português como é o caso deste aplicado santengraciano; a segunda, a longitude e peripécias justapostas deste romance-rio onde a história familiar acaba desbordando todo limite, desde a evocada raiz libanesa – desenhada em breves e precisos traços: Biblos, o narguilé, o arak, os gazais ‑ até o interminável final de morte e destruição.

O santengraciano que escreve não pode por menos de lembrar com saudade aquele “Esaú e Jacó” do grande mestre da divagação e a ironia que é Machado de Assis. Dois irmãos também no romance de Machado, neste caso citadinos e polidos competidores por um mesmo amor inalcançável, enfrentados não por azar do destino senão por certeira predição duma cabocla adivinha que nada predisse decerto mas que achou algo de estranho na inesperada consulta daquela senhora grávida que queria conhecer o destino previsível do duplo fruto que guardava no ventre.

Hatoum frente a Machado: As mil e uma a noites tropicais frente ao conto medido, impregnado de ironia e saudade.

João Lopes Facal

Clube Santengrácia


Caderno de memórias coloniais

O clube de leitura Léria (Eoi de Santiago de Compostela) e um grupo de 10 estudantes e docentes do mestrado de Ensino do Português Língua estrangeira do Instituto de Letras e Ciências Humanas da Universidade do Minho (Braga) juntaram-se no dia 1 de abril em Compostela para debater sobre o livro Caderno de Memórias Coloniais, de Isabela Figueiredo.

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A experiência foi bem gratificante, e da Pega só podemos encorajar mais clubes de leitura a procurarem e estabelecerem contactos com clubes de Portugal ou outros países.

Yang Estela, estudante do mestrado, presenteou-nos com esta crónica sobre o Caderno de Memórias Coloniais. Ficamos muito obrigados a ela polo contributo. Também nos recomendou, na sessão conjunta, a leitura do prémio nobel chinês, Mo Yan, de quem há algum livro traduzido para o português, como Peito grande, ancas largas.

Mas vamos sem mais delongas ao comentário que Estela escreveu sobre o Caderno de memórias coloniais:

O livro apresenta o cenário particular da terra colonial pela perspetiva da filha de um eletricista. A história segue a linha do tempo, a partir da sua infância, até que ela regressa a Portugal. Por um lado, a autora usa uma língua banal na narrativa, com frases curtas e palavras coloquiais; por outro lado, as palavras são muito vivas. Mesmo que não fiquemos ao lado dela, podemos imaginar os cenários verdadeiros que aconteceram em Moçambique.

No livro, a palavra compreender aparece muitas vezes, como as seguintes: Não compreendia, precisamos de tempo para compreender, “Tens de ser livre, compreendes?”, “Compreendo” até só esse ano percebi o que o meu pai dizia quando (…), etc.. As experiências da vida colonial e os sofrimentos de viver em Portugal amadurecem a rapariga. Ao longo do tempo, pouco a pouco, ela começa a perceber as coisas que não ela entendia antes, mas ficavam na memória. Mas será possível ela entender verdadeiramente, afinal? Penso que não. Porque no fim do livro, a autora e outra pergunta: Para onde vais, agora?

A colonização e a descolonização são histórias muito pesadas no sentido envolverem conquistas implacáveis, guerras cruéis, lutas inúteis, e os retornados, que até podem ser considerados refugiados pobres pelo facto de que trabalharam tanto e perderam tudo. São realidades demasiado pesadas. Ninguém pode mesmo entender.

Os capítulos que me impressionam mais são o capítulo 4 e o capítulo 13: o primeiro descreve muito bem uma vida miserável do povo de Moçambique e o segundo mostra o contraste entre o branco e o negro. Encontram-se a bondade e a discriminação, o silêncio e a vergonha.

Além disso, o que me chamou mais a atenção é que, no fim de cada capítulo, há normalmente uma frase curta ou um paragrafo pequeno que tem sempre significado profundo. São partes em que vale a pena retomar a leitura.

(Estela – Universidade do Minho)


GENTE MELANCOLICAMENTE LOUCA de Teresa Veiga

O clube de leitura «Santengracia» teve a sua reunião no dia 4 de março e o livro que leram na temporada de inverno foi «Gente melancólicamente louca» de teresa Veiga. Dous membros do clube escreveram sendos comentários que são os que vão a continuação: 

 

Como todo o que lim sobre esta autora são críticas elogiosas, dá-me um pouco de vergonha dizer que este livro não me apanhou, nem me deu vontade de ler mais obras da Teresa Veiga, mas assim foi.

Gostei do detalhe, da forma cuidadosa de caracterizar as personagens, os lugares, da forma de escrever, cunha grande técnica, mas a trama dos contos não me interessou. Ou sim, é dizer, ao principio parecem muito intrigantes , como me sucedeu nos dois últimos, Negra sombra…e Cuidado com as algas verdes, mas ao final quedei com sensação de “contos interruptus”, cum final demasiado aberto a múltiplas interpretações do leitor…ou eu, pelo menos fiquei que não tinha percebido nada…ou o que talvez penso que sucedeu não é…( p.ex. Que passou com o menino Borja, que passou co professor da Clarisse…? e com “a força desconhecida que aperta até produzir a asfixia” da protagonista das algas verdes…ou foi o presidente da Câmara Municipal…?

Também não percebi a importância  do filho da Dinora  a dizer que quer ser objector quando é criança, mas sim é bem traído este recordo, como madalena proustiana , na festa do 80 aniversário do seu homem…, gostei da descrição dos ódios soterrados da filha e da mãe, e das expectativas frustradas entre todos os membros da família…

O mesmo sucedeu com a mulher entregada ao enfermo de “Historia triste..” ou “ A morte do cisne” .  Lembram-me  um filme com muito boa fotografia… e mais nada. Sorri com Santo Suspiro, sentindo ao tempo pena por ela e gostei de como aproveitava o tempo perdido a Isabela 🙂 e mesmo da surpresa do trágico final. Também da menina Susana que se esforça em fazer um minucioso trabalho policial sobre a Natacha e tropeça com a realidade poética dos “beijos do sol” do Ecos do Mondego.  Desfrutei com o Sherlock…  Com tudo, oxalá discrepem da minha opinião e  gostem dele .

 

Sara Paz

 

Teresa Veiga: a beleza do artifício literário

 

Gente melancolicamente louca, um título expressivo que sugere já de entrada uma caneta especial. O último livro de TV é uma colecção de contos que deixam no leitor o estranha experiência de descrever com a prosa mais sumptuosa um desfile de situações e figuras irreais, literárias, inverosímeis no fundo.

Os relatos aludem a estranhas criaturas literárias flutuando num cenário inactual e artificioso que vira costas á vida e remete para a literatura. A mestria de Teresa Veiga abrocha em textos capazes de evocar com precisão cenários afastados de qualquer experiência actual.

Literatura sobre literatura.“O dia em que Sherlock Holmes…” é uma homenagem explícita a Conan Doyle, da mesma maneira que a “Negra sombra que me assombras”, de título tão rosaliano, ou “Cuidado com as algas verdes” remetem para o folhetim oitocentista. Contos propositadamente desactualizados, homenagens a leituras pretéritas, ressuscitadas por cumplicidade literária.

Teresa Veiga parece desdenhar a experiência do quotidiano mesmo quando o relato pretende expor uma história do presente. Há una alusão já no primeiro conto, “Objector de consciência”, em que Dinora, a mãe, termina por disolver a palavra corcunda, que tanto a perturba, em mera “conotação literária e quase abstracta como a história de O Corcudinha da Condessa de Segur”. Conotaçao literária, relato oitocentista, Condessa de Segur; por uma vez Teresa Veiga desvenda brevemente o seu universo literário.

No “Objector de consciência”, o pretenso realismo do relato é banido de imediato pelo procedimento de baptizar com os nomes mais esquisitos a família do arquitecto: Dinora, Ruben, Cibele, o próprio doutor Bryan. A atmosfera da alta comédia que impregna o conto enquadra-se no cenário inverosímil de Castromonte do Alentejo. Castromonte? Porquê não Roma ou Paris ou Londres? Toda verosimilhança fica esbatida apesar do lume na serra, único nexo com o Alentejo real. Afinal, um magnífico conto moral de escrita subtil e envolvente.

A infância de Veiga parece ter percorrido antes os caminhos da leitura adolescentes do que os da vida quotidiana. Esta constatação leva ao leitor a perguntar-se se não reside aqui, nesta opção pela ficção recreada, a chave do fugidio comportamento da autora; da sua ocultação dos média e os circuitos literários, do seu desdém pola actualidade. Será que a Teresa pretende transmutar-se numa das suas personagens de ficção, desencarnada da vida e enraizada nas letras?

Algo de Teresa Veiga nos lembra os contos de Júlio Cortázar onde a experiência da vida prefere envolver-se em tinta literária soberana.

Quem é afinal Teresa Veiga? De que falam as suas obras anteriores? Uma delas, sabemos, é sobre o Marquês de Bradomím. Frequentou talvez Teresa Veiga os versos de Rosalia e as Sonatas de Valle Inclán? Quem é Teresa Veiga?

 

Joam Lôpez Facal


LUUANDA de Luandino Vieira

Alguns membros do clube de leitura «santengracia» de Compostela, escreveram as suas impressões sobre este livro de relatos do Luandino Vieira:

 

1) Sente-se a música ritmada dos vocábulos num português, já nativo, a cair no texto. A escrita e a paisagem, as duas misturam-se ao adentrarmos o musseque. Este, que as chuvas roubam para levar a Luanda as lamas, tantas, que até tingem de vermelho as águas da Baía, é lar de uma população desfavorecida e entregue à sua própria sorte.

Os três contos, muito bons, mas fico-me com o da Vavó Xíxi e do seu neto Zeca Santos. O pai – o “terrorista” João Ferreira – na prisão, a fome que se instala na cubata e castiga a família. Estamos no musseque, dirigirmo-nos à cubata, é dia de afundar os pés na lama das paredes a escorrer para o chão, antes de se escapar pela porta… Caixotes de fruta velhos, o prego na parede, as pedras da trempe com as latas em cima, a fogueira, a água ferve há muito, só lhe falta o conduto, a fome sem solução à vista, um miúdo e uma velhota, avó e neto, foram eles que o drama veio visitar, desta vez.

 

Ana da Gama

 

2) O sentimento que me transmitiu desde o início foi o de ternura: ternura pelo rapazinho esfomeado que prefere comprar a camisa amarela de desenhos

de flores coloridas,  antes do que comprar comida; ternura pela vovó que não tem que dar ao seu neto  muito, muito magro,  e quer  enganar-se cozendo indigestas raízes de dálias; pela mocinha que provavelmente está apaixonada e sabe que o seu amor não tem futuro…

Valorizo muito positivamente o papel protagonista das mulheres, boas e menos boas,  mas todas lutadoras; e também aprecio que dê voz aos mais miseráveis da

sociedade, aos esfomeados,  os aleijados…  seres indefesos e marginais que lutam por sobreviver numa sociedade corrompida e injusta,  mas que estão dignificados pelos sentimentos: o amor, a  amizade,  a compaixão…ou a generosidade,  essa mesma que faz que Zefa regale o ovo da sua galinha à vizinha grávida.

“De ovo na mão, Bina sorria.  O vento veio devagar e, cheio de cuidados e amizades,  soprou-lhe o vestido gasto contra o corpo novo”

 

Ana Mosquera

 

3) Gostei muito de Luuanda: a tenrura , o fatalismo da vida cotiá , a vida dos musseques…pero costou-me   entender muitas vezes as palavras, mesmo com glosssario, o que foi em contra do prazer da leitura.(concordo com  a  postura a respeito do idioma na p.60)..a gostei da ideia do fatalismo, da fome atávica…recordou-me algum romance indigenista que tinha lido na Faculdade, e sorprendeu-me o tratamento da não solidariedade entre pobres , importa a supervivência, sem dulcificar nada…( roubo do ovo)  ou rir-se do aleijado… , o facto de que na vida tudo está escrito: a desesperanza..e o riso, mesmo na velha do primeiro conto que está a morrer de fome, ou riso de vergonha no 2º conto, ou de alegria por burlar a polícia que está a roubar a galinha. Um libro cheio de sentimentos. Um 8..( e não dou mais pela minha incapacidade leitora.),

 

Sara Paz

4) Sara falou por mim. Subscrevo tudo o que diz, mesmo a qualificaçom, que nom posso sobir porque amargou a minha leitura; bom, mais propriamente, é como um desses livros com excelentes ilustrações mas taão abundantes que tolhem o fio da leitura.

A “Luuanda” é um longo poema impregnada em piedade para a gentinha humilde, incluído o papagaio e a galinha. O cancimbo nevoeiro e o musseque sempre ao fundo. Afinal penso que só não gostamos da crueldade da Inácia.

Os intercalados em angolano têem muito valor eufónico, é como a banda sonora das três histórias corais. Em espanhol acomparam-se-lhe apenas, em piedade e amor pelo país, os contos de “El llano en llamas” de Juan Rulfo: México profundo versus Angola dos museques.

 

Joam Lopes-Facal